Desterros

Desterros 
Fotografias impressas sobre tecido chifon
127x87cm
2020







Texto de Bruno Portella sobre a série Desterros:

Rio de Janeiro, fevereiro de 2020

Dedico esta carta a quem um dia ousou se lançar para longe de si.

Anseio as primeiras palavras de maneira singela e informal. Gostaria de lhe presentear com esta carta e dizer, sobretudo, que ser raiz é trabalhoso, mas gratificante. Subterrâneas, aéreas ou aquáticas, é preciso muita força e determinação para crescer rasgando a terra, afogando-se em mar ou rastejando-se em ventos turbulentos. Ser e estar nunca me pareceu tão complicado.

Mas veja bem, Ygor querido, mais difícil que prender é soltar. Uma completa audácia ser raiz solta, além de perigoso, atitude que só as pessoas mais corajosas que conheci foram capazes de ter. Você é uma delas. Por isso, arrisco-me a dizer que esta pode ser uma carta de amor, que contempla da maneira mais doce a sua vontade de desbravar os territórios sombrios existentes na dúvida de onde veio, mesmo sabendo que, para isso, é preciso ser raiz em muitos lugares.

Você sabe que pertencimento sempre foi um conceito distante, assim como os lugares que um dia foram cruzados e deixados para trás. O nascimento em Uruguaiana –RS, a ida para Florianópolis –SC com apenas um ano de idade e, posteriormente, sua longa caminhada até o Rio de Janeiro me fazem imaginar que a travessia te pareceu ser sempre mais interessante, mesmo que dolorosa e, às vezes, involuntária. O lugar do entre, sempre muito espantoso e incerto para alguns, te embala e acode ao ser percebido como mais um cruzamento. O outro lado, aqui ou lá, dentro ou fora, não faz mais sentido para uma raiz solta. Ela pode, e deve, ser raiz em qualquer lugar. Você pode, e deve, ser e estar em qualquer lugar, em qualquer momento.

Em botânica, por exemplo, existe um fenômeno interessante conhecido como rizoma, uma raiz que cresce horizontalmente, mas também, que nega sua estrutura rígida e se desenvolve como uma trama, florescendo, brotando e desabrochando em qualquer lugar. O desterro aqui me parece uma metáfora, como se tivesse matado a si próprio para viver do jeito que quer. E, assim como o rizoma serve de fonte nutritiva para as plantas que se conectam a ele, você se alimenta das memórias que vem colhendo aos poucos durante toda sua travessia.

Pode ser que um dia você encontre um lugar para fincar todas as raízes que carrega nas mãos, pode ser, também, que esse lugar resida em alguém ou algo. Mas, por ora, ele pode ser percebido em suas obras, seja nas raízes que brotam dos tecidos, nas fotografias dos pés de seus pais ou nas paisagens de sua memória mais calorosa. Seja no vídeo-registro repleto de uma poesia singular e profunda ou em desenhos que me remetem à uma arqueologia sensível. Vejo nisso tudo, novamente, a rede que construiu enquanto raiz solta, como uma trama do tempo onde brotam lembranças de diversos lugares. Uma sobreposição à deriva.

Termino, portanto, relembrando nossa viagem à cidade onde passou maior parte da sua vida, Florianópolis, que antes de ser chamada assim, era conhecida como Desterro. E, se aceita meu conselho, espero profundamente que continue radicando, penetrando e cravando novas terras, águas e ares. Continue desterrando quem te toca e fazendo com que sejam abraçados pelo conjunto de suas histórias e afetos. O desterrar nunca se apresentou de maneira tão entusiasmada como percebo agora.  Obrigado.

Com amor,
Bruno Portella